RESENHA
Trabalho apresentado em exigência à disciplina Língua Portuguesa II: Leitura e Compreensão de Texto.
Professora Márcia Pimenta.
As dúvidas e preocupações que Lya Luft, escritora, lança em suas considerações na revista Veja no intitulado texto “Mordaças e palmadas” estão unidas pelo que nossa sociedade carece, o cumprimento das leis. Ela liga o tema da liberdade de imprensa e até individual à invasão de privacidade que o Estado cria, como ao legislar sobre a maneira correta de disciplinar os filhos. Passa ainda pelo tema alfabetização no Brasil, detalhando a má qualidade da aprendizagem e das instituições de ensino, sendo esta sim, em sua ótica, a melhora na qualidade de ensino a verdadeira liberdade democrática ao país, uma vez que o governo cumpra tais leis que garantam aos seus cidadãos uma formação acadêmica ou técnica em sua plenitude. Ela detalha, ainda, a problemática que será na aplicação da lei da palmada, mas deixa claro que maior violência pode ser a verbal, que pode ser mais violenta que a palmadinha. Refletindo sobre a confusão no mundo atual, Lya sugere a possibilidade de nos conformar-nos com essa situação bizarra e diz para nos defendermos como pudermos, visto que vivemos nesta sociedade tumultuada.
Olhando este quadro percebemos que verdadeiramente nossa liberdade está sendo tolhida, ainda que em doses homeopáticas, por aqueles que deveriam ser os promotores do avanço social. Aos governantes que buscam perpetuar-se no poder não lhes interessa que seu povo seja instruído, pois se assim o for, não mais seriam eleitos. Que hediondo! Então são criadas mordaças aos meios de comunicação a fim de que as intenções mesquinhas dos governantes não sejam expostas. O círculo vicioso entre os empresários que financiam as campanhas eleitorais e os eleitos que legislam em favor dos financiadores restringem os interesses da população, que sempre é quem sofre com esta que seria uma democracia. Maior prova que o poder corrompe é o fato de termos em São Paulo um governador eleito que já foi professor, líder estudantil e, ainda assim, não preza pela educação o quanto ela exige atualmente. O país busca expansão econômica, mas lhe falta qualificação aos seus trabalhadores. Como educação não lhes traz votos instantâneos, procrastinam o que de mais essencial é a sociedade, educação. A aprovação dos alunos por decreto cria toda uma geração que não sabe ler, nem ao menos têm uma simples compreensão de texto. Ainda bem que existem raras exceções. Os prejuízos já começamos a colher, violência após violência.
Os já vituperados interesses da sociedade agora sofrem o que talvez seja o mais duro golpe, sendo atingida em sua base, na família, os pais não podem mais educar seus filhos de acordo com a tradição de seus pais. O Estatuto da Criança e do Adolescente buscando garantir a integridade física das crianças ignora que crianças indisciplinadas agridem adultos, até mesmo assassinatos acontecem por menores. Não seria o caso de também existir um estatuto dos adultos que são molestados por crianças? Não, não pode, elas são inocentes, elas roubam, matam e ainda tem um estatuto que lhes garante impunidade. Aliás, a palmadinha ou a vara da disciplina não buscam corrigir pequenos desvios de conduta que se não forem restringidos ao cabo formarão um ser sem os mínimos princípios de convivência em sociedade? Será o caso de o Livro dos livros errar ao afirmar: “O que retém a vara aborrece ao seu filho, mas o que o ama, cedo, o disciplina”?
É lamentável que muitos pais não saibam disciplinar uma criança. Com a mesma mão que, irados com a indisciplina infantil, agridem, querem transmitir amor, acarinhando-a. A mão que bate é a mesma que afaga. E assim é gerado um amor contestável. A vara ou o chinelo é melhor que a mão para a disciplina. Disciplina é prova de amor. A varinha que é exterior, bem como o chinelo, são separados daquele que corrige. A mão fica livre para apenas amar e ser constante em tal afeição. E a ira? Muitos acham que irados podem corrigir os filhos. Ledo engano. Se a disciplina é uma prova de amor, como seria possível que a transmissão de um sentimento tão nobre seja extravasada em momentos iracundos? A afetividade que toda criança necessita é negligenciada por pais afoitos por sobreviver na atual sociedade, fomentada por publicitários que incutem na cabeça das pessoas bens que na maioria das vezes não lhes são necessários. Então o precioso tempo necessário para convivência com os filhos são gastos em serviços, porque afinal, é preciso manter o padrão de vida. Então, quando a criança comporta-se mal, vem a disciplina, mas agora, veja bem, agora não pode. Deveras uma boa conversa deve solucionar desvios de conduta. Mas e quando por reincidência a conversa não é suficiente? O resultado temos na situação atual. Jovens e crianças pensam ser os onipotentes. Nas escolas, professores e profissionais do ensino estão sufocados por problemas que parecem insolúveis. Drogas, violência, insegurança e inúmeros outros problemas multiplicam-se exponencialmente em meio a tal situação de guerra social disfarçada.
Enquanto o que pode e o que não pode for definido por aqueles que não cumprem uma infinidade de leis que promulgam, enquanto o povo continuar elegendo tais maus representantes, o próprio povo é quem sofre o prejuízo. Por alimentar tal sistema oneroso à vida humana, hoje já se colhe tais frutos perniciosos. Seria este um quadro pessimista ou realista? Oh, que bom se fosse pessimista. Que bom seria!
São Vicente
2010
aqui, abaixo, o texto original da revista Veja:
Mordaças e palmadas
Aqui não vai crítica a pessoa alguma: vão dúvidas e preocupações - com o povo e governo ou governos. Democracia e liberdade. Conceitos difíceis, confusos, esquecidos e negligenciados. Leio, escuto, percebo aqui e ali algum projeto de amordaçamento da imprensa, por exemplo. Logo que se manifesta, surgem protestos, e as regras se escondem de novo na manga. Mas idéia volta de novo mais adiante, e isso se repete. Vamos controlar mais, via Estado, os meios de comunicação: jornais, televisões, revistas, rádios. Isso de veicular qualquer coisa ou de ter liberdade demais não convém. O país ainda está imaturo, o povo desinformado, vamos controlar isso.
Sim, o povo anda desinformado. O número de analfabetos é assustador, e mais uma vez, cansativamente quem sabe, repito: alfabetizado não é quem assina o nome, mas quem assina o nome em um documento que leu e compreendeu. Sua porcentagem neste país é um desastre. Investir em educação maciçamente, em vez de pensar em amordaçar os meios de comunicação, poderia ser uma idéia magnífica. Escolas boas, professores estimulados, acesso fácil a todos, bons currículos, merenda farta, dias inteiros para os mais desvalidos. Ensino médio de boa qualidade, acessível a todos, mesma coisa quanto a professores. Universidade ótima, e escolas técnicas superiores abundantes: acabar com o preconceito de que todos temos que ser bacharéis.
Esse seria o verdadeiro gesto de liberdade democrática para o país e o povo, jamais controlar a manifestação livre de idéias, desejos, esperanças, necessidades e protestos. Nem querer nivelar por baixo nem limitar, como pensar em reduzir ou até proibir séries americanas nas TVs brasileiras: queremos o atraso, ser Cuba ou Venezuela, ou nos integrar ao mundo mais adiantado, incentivar a boa produção de programas de TV e de filmes brasileiros, em vez de cercear?
Outro tema, agora atualíssimo, é a interferência em assuntos tão pessoais quanto a educação dos filhos. A mim, o tema “palmada” parece um pouco ridículo, num momento de eleições iminentes, quando precisamos estar sérios, lúcidos, focados no assunto “quem vai nos governar nos próximos quatro anos, como, com que idéias e meios”. Crianças e jovens, filhos em geral, já são protegidos por leis suficientes. Se elas não forem respeitadas, e sua quebra não for punida, não vai adiantar nada inventar novidades. Vamos aplicar e vigiar o que já existe. E não acho que o “projeto palmada” funcione sem grande confusão. Primeiro problema, o do controle: quem vai denunciar pai ou mãe que deram a palmada (e não pode nem aquela branda, carinhosa chamada de atenção, por cima da gorda fralda): o vizinho intrometido, a vizinha invejosa, a babá em aviso prévio, a comadre neurótica, a sogra chata, o ex cônjuge negativo? Eu gostaria de saber, só para começar, quem vai lidar com a avalanche de denúncias loucas, injustas e irreais que vão atravancar delegacias, postos de polícia e semelhantes.
Violência às vezes se justifica, sim, como para controlar a violência, segurar alucinados, prender bandidos, dominar violentos assassinos. Mas nem mesmo violência verbal deveria reinar nas famílias: um insulto pode doer bem mais do que um tapa, brigas entre os pais fazem mais mal do que uma palmadinha, acreditem. Então, o conceito de que violência em casa é negativa e tem de ser punida já existe. Basta aplicar as regras e leis. Mas a tal lei da palmada, me perdoem: parece-me irreal, inexequível, geradora de muita confusão e de indevidas intromissões no lugar que deveria ser o mais nosso, o mais pessoal, nosso refúgio, nosso reino, nosso santo dos santos: a casa, a família, o lar.
Mas como as coisas entre nós, e neste vasto mundo, andam mais para confusão e doideira do que para lucidez e serenidade, como estamos mais violentos, policialescos, alucinados, assustados e assustadores do que firmes, elegantes, sábios, pacíficos e ordenados, tudo pode ser esperado, tudo é possível, e vamos nos habituando a viver na estranheza, na esquisitice, protegendo-nos como podemos de atos e idéias bizarros.
LUFT, Lya. Revista VEJA edição 2176 -ano 43- n.31, 4 de agosto de 2010, p.26.